III. Domingo da Quaresma ( Jo 2,13-25)



Mensagem no contexto

Destruí este Templo, e em três dias eu o levantarei”, diz Jesus no templo. Em Caná mostrou “onde morava”: na alegria e no amor. Agora, vindo ao templo, sua morada por excelência, toma o chicote porque encontra bem outro. Imagem cara aos reformadores e contestadores de todos os moldes, para restauradores e conservadores de todos os tempos é uma sombra inquietante e ameaçadora, para se esquecer. Se os primeiros discípulos, ao invés de removê-la, colocaram-na em posição privilegiada certamente tinham uma intenção precisa, que não precisa deixar de lado. Para nós cristãos a coisa é tranquila e dada por descontada, porque pensamos no templo de Jerusalém, que não existe mais, e falamos de “purificação”, que é um termo “piedoso”. Para compreender o gesto, como sempre, devemos imaginar que Jesus realize agora o que fez então. O que diríamos se o víssemos hoje com o chicote, nos vários templos religiosos ou leigos? Não diríamos que é um louco furioso, tomado por um rapto, ou pelo menos um desajustado, fora da realidade? Não colocaria em crise muitas dos nossos pacíficos hábitos que estão ligados ao templo, ou seja, ao próprio Deus e da maneira de nos relacionarmos com ele?
                O seu gesto é profético em dois sentidos: Primeiro: está na linha dos profetas, sempre críticos com as instituições, voltadas mais para os interesses de quem detém o poder que para a finalidade pela qual nasceram (cf. Is 1,10-17; Jr 7,1-15; Ml 3,1ss, textos que fazem compreender porque o destino dos profetas seja aquele pitorescamente descrito por Hb 11,32-40). Segundo: é um “gesto profético”, do tipo daqueles de Jeremias (cf. Je 13,1ss; 19,1ss; 27,1ss; 32,1ss), que antecipa simbolicamente a missão de Jesus. O flagelo, sinal do mal que se esconde no templo, se abaterá sobre ele mesmo: o que ele agora faz é uma predição em ato da sua morte e ressurreição.
                A identidade do povo de Israel se funda na aliança, no templo e a lei. Os reis e os sacerdotes são os seus guardiães e, como todo guardião, tendem a se tornar  dominadores. Por isto em Israel, além a instituição do rei e dos sacerdotes, há a anti-instituição dos profetas. Eles são o grilo falante da consciência, que chama a sair da hipocrisia, mentira e opressão. Como o deles, também o ministério de Jesus tem um único poder; o da Palavra. Com ela em Caná se dá o início da nova aliança; agora, em Jerusalém, se proclama o novo templo, para depois no trecho seguinte, dar a nova lei.
                Se a alinaça em Caná falta o “vinho”, o templo de Jerusalém ficou reduzido a uma espelunca de ladrões (Jr 7,11; Mc 11,17). Jesus, como fez da água o “vinho belo”, assim fará do templo destruído a casa do Pai. Ele mesmo, Palavra que se tornou carne, é o novo templo, lugar de comunhão entre deus e o homem.
                Os sinóticos colocam esta cena no fim do ministério de Jesus; João coloca-a no início, dando-lhe um sentido programático, que será colhido somente no final. É típico do seu estilo contar antes o que somente depois será compreendido: a Palavra precede o acontecimento, porque tudo vem dela. Mas também se nós a compreendemos sempre depois, não é inútil antecipá-la: na verdade a Palavra promete ao presente um futuro e, depois o seu cumprimento, a recordação dela revela o verdadeiro significado do que aconteceu.
                Este texto é lido em chave de “purificação”, até mesmo de “abolição” do templo por parte de Jesus. É verdade que o cordeiro de Deus (Jo 1,29.36), tomando o lugar de JaHWeH, entra no tempo, purifica o seu culto (cf. Ml3,1-3) e abole com o seu sacrifício qualquer outro: o sacrifício de Deus para o homem toma o lugar de tantos sacrifícios do homem para Deus. Porém Jesus fala de destruição e reconstrução: o verdadeiro santuário que se sobrepõe será o seu corpo, morto e ressuscitado, onde se adora o Pai em Espírito e verdade (Jo 4,24).
                O templo será destruído, mas não por Jesus, mas pelos chefes que, para manter o seu poder, destruirão a ele como já tinham destruído o templo, fazendo dele uma casa de comércio. AO invés Jeesus o reedificará, cumprindo nele mesmo o que o templo significa. Purificar e destruir o templo é a antecipação da sua obra de Filho que elimina toda nossa imagem de deus, para revelar-nos aquele que ninguém jamais viu e do qual dirá: Quem viu a mim viu o Pai” (Jo 14,9; cf. 1,18). Por isto a sua ação começa pelo templo, e com o chicote!
                Em todas as culturas o templo representa o umbigo que liga terra e céu, lugar do divino e fonte do humano, deposito das normas necessárias para manter a vida. O templo é o centro do espaço e do tempo: estrutura o espaço habitável, separando fanum e profanum, dar ritmo ao tempo com as celebrações e organiza a convivência entre os homens e a lei. Sem templo o cosmo “não gira”; se dissolve como uma roda sem a peça do eixo. Bom ou ruim, libertador ou escravizador que seja, sem um templo o homem não pode existir. De fato, se o animal é conduzido pelo instinto, o homem é movido pelo desejo de alcançar um fim pelo qual subordina todo o resto. O templo é símbolo desta realidade que dá sentido ao seu viver, dando corpo ao seu desejo de felicidade e ordenando as suas ações e as suas instituições: é o lugar da festa, da alegria e da comunhão. Mas tende sempre a se tornar – somente o verdadeiro e o belo pode ser pervertido em mentira e mal – também lugar de comércio com Deus e com os homens, justificação de sacrifícios e opressões, até ao sacrifício e supressão do homem em nome de Deus. No centro das antigas cidades há sempre o templo, tornado na cristandade a “catedral”, a casa comum. Hoje no centro encontramos a Bolsa (de valores), com o culto do livre mercado e da new economy (nova economia), em cujo nome se conduz uma fanática guerra santa, sem olhar no rosto de ninguém e de nada, destruindo a terra e o que ela contém, o universo e os seus habitantes (cf. Sl 24,1). A operação é conduzida de maneira indolor, graças ao narcótico produzido em outros templos, da diversão e do esporte, da saúde e do quanto cada um pode inventar para vantagem econômica própria e brutalização dos outros.
                Deus, templo e homem são três realidades que se refletem e possuem um rosto diferente segundo a imagem que se tem de Deus Se Deus é aquele que tem tudo nas mãos e a tudo domina, o homem realizado, semelhante a ele, é o potente; o templo então é o primeiro endosso de qualquer opressão. Se Deus é algué que se entrega e serve, o homem verdadeiro é humilde, como ele; o templo então é o lugar da comunhão e do amor. Deus e templo representam o universo de valores que alguém persegue, segundo os quais ordena o próprio pensar, querer e agir, para obter uma vida sempre mais plena e digna de tal nome.
                O Filho do homem, verdadeiro templo, será morto justamente pelo engano do homem que faz consistir a sua felicidade no possuir coisas, pessoas e o próprio Deus, ao invés do dom recíproco de amor entre o Pai e o Filho e dos irmãos entre eles.
                Esta visita de Jesus ao templo mete em crise a nossa ideia de Deus e do homem.
                O templo, chamado por Jesus “casa do meu Pai” e depois “santuário”, é enfim identificado com o seu “corpo”. A carne da Palavra é agora a “tenda” de Deus em nosso meio, onde nós estamos em casa com ele. Em Jesus o templo alcança a realidade de que é sinal; é céu aberto sobre a terra, visão da Glória e vida do homem.
                É importante a indicação de tempo e de lugar: o tempo é a Páscoa em que se celebra a salvação, e o lugar é o templo de Jerusalém (vv. 13-14a). Em Jerusalém, na Páscoa, se cumprirá a “hora” de Jesus, que se tornará o novo templo, de onde brotará a salvação para todos.
                O breve texto é um entrelaçar de gestos, palavras e recordações interpretativas, imediatos ou remotos, presumidos pela Escritura e pelas palavras de Jesus. A cena inicial mostra o gesto contra os mercadores e a palavra sobre a “casa do meu Pai”, que os discípulos entendem à luz do salmo messiânico 69,10 (vv.14b-17). Segue a reação dos judeus com o pedido de um sinal e a resposta:  “Destruí este Templo, e em três dias eu o levantarei”. Jesus sobrepõe a destruição do templo à sua morte por parte deles, declarando os eu poder e dar e de retomar a vida (cf. Jo 10,18). Mas os judeus ironizam sobre a sua pretensão (vv.18-20). O evangelista anota no final que o santuário de Deus é o corpo de Jesus (v.21). Os discípulos, recordando-se destas palavras, as compreenderam depois da ressurreição; então acreditaram na Escritura e na sua palavra, que dela é a fonte e o cumprimento (v.22).
                O trecho é um vislumbre sobre o final do evangelho, um pouco como Lc 2,41-51. Desde o início se mostra o final: entrever a meta é importante para iniciar o caminho.
                Os temas principais do texto – a visita do Senhor ao seu templo, a caçada aos vendedores, o pedido de um sinal, a discussão sobre a autoridade de Jesus e as palavras sobre a destruição e reconstrução do templo – se encontram dispersas e numa ordem diversa, também nos outros evangelhos (respectivamente: Mc 8,11s; Mc 11,15-19s; Mc 14,58 e Mt 26,61; Lucas coloca o dito sobre a destruição do templo  no processo de Estevão em vez do processo de Jesus; At 6,13; este dito se encontra também aos pés da cruz: Mc 15,29s). João reúne estes elementos numa única narrativa, cujo significado brota da sua conexão, do contexto e das anotações acrescentadas. Com o cordeiro de Deus o culto é purificado: aos sacrifícios rituais sucede o culto “lógico” e agradável a Deus (cf. Rm 12,1ss), aquele da Palavra que se faz carne, no Espírito e na verdade do Filho. Ele, como o templo, será destruído pelo pecado do mundo. O sinal divino que dará para autenticar a sua obra será a ressurreição, que o legitimará como novo e definitivo santuário.
                Jesus é o novo santuário: o seu corpo, destruído pelo pecado na cruz, na ressurreição se tornará comunhão plena de vida entre Deus e o homem.
                A Igreja é formada pelos discípulos que aderindo a ele, pedra viva descartada pelos construtores, se tornam também eles morada de Deus que habita neles (cf. Jo 14,19-24; 2Cor 6,14-18; 1Cor 3,16s; Ef 2,19-22; 1Pd 2,4-6). Como em Jesus habita corporalmente a plenitude da divindade 9Cl 2,9), assim também o seu corpo é templo do Espírito (1Cor 6,19).

 
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