4° DOMINGO DO TEMPO COMUM – Mc 1,21-28



Mensagem no contexto

“Cala-te”, intima Jesus ao espírito imundo. A sua palavra, como tem o poder de chamar-nos a segui-lo, tem também de banir o espírito do mal que está em nós.
                Com o exorcismo inicia-se a primeira jornada “messiânica”. Marcos depois de nos ter dito quem é aquele Jesus que nos convida a vir após ele, agora nos diz o que ele faz por nós: com a força da sua palavra nos livra do mal (Mc 1,21-28) e nos faz livres para o bem (Mc 1,29-31); a sua ação não será apagada, mas ampliada mesmo no anoitecer  (Mc 1,32-34), e na madrugada, onde tirará da comunhão com o Pai a força de ir mais adiante (Mc 1,35-39).
                No enquadramento artificial de um dia de sábado – para quem o encontra e o segue inicia-se o sábado sem fim – nos é oferecido um quadro da sua atividade, o seu programa messiânico.
                No início se recorda o seu ensinamento. A Palavra como principio da criação, é também principio da redenção.
                Ainda hoje o encontramos através da palavra da narrativa evangélica. Ela tem também o poder de nos fazer segui-lo, como fez com os primeiros quatro discípulos (cf. Domingo precedente); e o primeiro efeito que tem sobre nós que o seguimos, é o de libertar-nos do espírito do mal.
                O exorcismo está incluso na dupla menção da autoridade da palavra de Jesus. O mal na verdade tem a sua origem na mentira. De fato  desmascara-a e  dissolve-a, como as trevas quando ao despontar da luz.
                Colocado no início, o exorcismo tem um valor programático: toda a atividade de Jesus tem como fim a libertação do homem do espírito do mal, que o escraviza. É chamado “espírito imundo” – para Israel imundo é tudo aquilo que tem relação com a morte. É o contrário do Espírito de Deus, amante da vida (Sb 11,26)
                Para Marcos é antes de tudo o tentador (vv.12s). enquanto “rouba a Palavra” (Mc 4,15), substituindo no homem a palavra de Deus com a mentira, afastando dele, sua vida. Por isto o pensamento do homem é chamado por Jesus de satânico (8,33). Satanás tem a sua face visível na riqueza que seduz (Mc 4,19; 10,22-25): É o deus mamona (Mt 6,24). Nos exorcismos é descrito como aquele que apossa-se e tortura o homem. É chamado satanás (=acusador), diabo (=divisor), o maligno, o tentador, o príncipe das trevas, o pai da mentira (Jo 8,44). É o príncipe deste mundo (Jo 14,30); tem o seu reino e é forte (Mc 3,23.26.27); na verdade, depois do pecado, tudo é colocado nas suas mãos (Lc 4,6). Em Gênesis 3 se descreve a sua ação como um habilidoso manipulador, que leva o homem a fazer mau a si mesmo. Inicia avançando na desconfiança em Deus, sugerindo uma falsa imagem; depois induz à desobediência, colocando-lhe diante do seu limite de criatura, para almejar a beleza falaz de uma autonomia sem limites; enfim lhe revela cruelmente a sua nudez e insuficiência, lhe coloca medo e faz com que fuja e se esconda do seu criador.
                Abandonado ao próprio eu, o homem cava com muito trabalho cisternas defeituosas que não retém água (Jr 2,13). Perdida a própria identidade, busca-a sempre naquilo que o aliena: o ter, o poder, o aparecer. Daí a crescente insatisfação e desestima de si mesmo, a solidão, a angustia mortal, o desejo de salvar-se, os desejos que não podem ser satisfeitos, o egoísmo insaciável, as injustiças, as guerras,etc. Todo este mal, uma vez realizado, permanece, se solidifica e organiza em estruturas multiplicadoras de iniqüidade – verdadeiras máquinas de opressão, em que o homem, seu inventor,  torna-se engrenagem. No final ele permanece prisioneiro como um verme no casulo que ele mesmo fez para si .
                Ma esse mal não é a nossa situação definitiva. Jesus veio para tirar a fatalidade da história e restituí-la às nossas mãos. Ele nos livra com a palavra da verdade, capaz de mandar calar a mentira que está na origem da nossa escravidão, mostrando a nossa realidade de filhos e de  Deus que é Pai.
                Por isto os exorcismos são o sinal da vinda do Reino, o fim da escravidão do homem. Não reconhecê-lo, é mentir diante da evidência: é o pecado contra o Espírito Santo (3,26-30).
                Marcos narra detalhadamente três exorcismos ( o texto de hoje 1,21-28; 5,1-10 e 9,14-29). Diferentemente dos milagres, transcorrem entre dificuldades e convulsões sempre crescentes. O ultimo que é exorcizado até tinha o perigo de ficar sem vida. A luta iniciada, depois do batismo, dura toda a vida, e terá o seu cume sobre a cruz. Derrotado na sua morte por amor àqueles que o mataram, será o exorcismo definitivo: revelando quem é Deus para o homem, vencerá definitivamente a mentira de satanás.
                Jesus é a palavra poderosa de Deus. Como criou o mundo e guia a história, entra também no nosso coração para iluminá-lo. É a palavra da verdade que restitui o homem a si mesmo, libertando-o do mal e fazendo-o livre para o bem, capaz de amar como ele é amado.
                Discípulo é aquele que sente que é dirigido para si mesmo a palavra de Jesus. Esta suscita desejos e resistências lacerantes, mas é também capaz de vencer as resistências e traduzir em realidade os desejos. É necessário que aprendamos a conhecer as reações internas que acontecem cada vez que lemos o evangelho sem distrações. É importante distinguir as boas das más, para acolher e pedir que cresçam as primeiras, rejeitar e pedir a libertação das segundas.
                O nosso exorcismo fundamental é o batismo. Ele, como para Jesus, marca o início de uma luta que perdura por toda a vida. Mas este esforço é já certeza segura  da vitoria final. Antes do batismo  havia somente submissão e escravidão tranqüila, quase uma identificação com o próprio mal. No endemoninhado vemos as nossas reações diante da Palavra e a sua ação em nós.


Leitura do texto


v.21. Na cidade de Cafarnaum...”: Cafarnaum é a região dos primeiros discípulos, será o centro da atividade de Jesus na Galiléia.
“num dia de sábado,...”: o sábado é o primeiro dia do repouso de Deus, cumprimento da criação. Jesus age no sábado porque a sua ação inaugura este dia: é a aurora do sábado definitivo,  onde toda a criação alcança a finalidade pela qual foi pensada.

 “Jesus entrou na sinagoga e começou a ensinar.: o verbo no pretérito imperfeito indica uma ação prolongada e não concluída. Como antes, também agora continua a ensinar. Este verbo em Marcos é praticamente reservado somente a Jesus ( só uma vez é relacionado também com os Doze apóstolos, enviados em missão como seus arautos, Mc 6,30). Ele é o único Mestre. Nós somos e continuamos a ser sempre seus discípulos, que ensinam somente aquilo que ele disse e fez.
                Não se menciona  o que ele ensina, porque ensina através de si mesmo naquilo que diz e faz. Lendo o evangelho, também nós nos aproximamos dele e aprendemos a conhecê-lo. A Palavra feita carne se tornou Palavra na narrativa do evangelho, para se fazer escutar ainda hoje por nós.
                A cada palavra que escutamos com os ouvidos, corresponde sempre uma palavra silenciosa do Mestre interior, que move o coração atraindo-o para ele. Ela desperta em nós reações provindas dos nossos medos e as resistências do inimigo, que se opõem a Deus e à sua promessa.
                Deus, como todo homem, comunica a si mesmo com a palavra. Ela interpela, dando a liberdade de responder. É a única mediação que não deixa resquícios: leva à realidade mediada e desaparece nela. Mas também é o meio mais frágil, que nada impõe – do contrário não é palavra de verdade, mas sim manipulação tremendamente devastadora. Com ela Deus exprime a si mesmo e se doa, expondo-se ao perigo de ser rejeitado. Ele não pode usar meios potentes, porque quem ama respeita e cria liberdade. Pode somente, no caso de rejeição, levar até ao fim a própria fraqueza – até à cruz com um amor incondicional.

v.22. “Todos ficavam admirados com o seu ensinamento,...”: é uma admiração perturbadora. Marcos, pobre de vocábulos – usa aproximadamente mil – destes usa oito vocábulos diferentes para indicar admiração, usa-os umas trinta vezes. A admiração é mãe da sabedoria, abre ao acolhimento do outro e à sua novidade. É diferente da curiosidade, mãe da ciência, que leva a etiquetar o outro para usá-lo. A primeira deveria ser a atitude correta diante das pessoas e daquilo que é belo e bom; a segunda diante das coisas, enquanto são úteis. Pobres de nós se as reduzimos somente a uma relação de uso. Possuem sempre consigo algo de “admirável”, a ser acolhido e respeitado.
                Se cada vez que, lendo o evangelho, não fico admirado, na realidade não cheguei a compreender nada.
                O contrário da admiração é a “dureza do coração”, que encerra tudo no óbvio e no já conhecido, impedindo qualquer novidade. Jesus será morto por esta dureza do coração (Mc 3,6)

  “pois ensinava como quem tem autoridade,...”: a palavra “autoridade” (grego ἐξουσίαν = exousian, que traduz o hebraico בתחום = shaltan, daí a palavra “sultão”) é reservado a Deus. A admiração diante da palavra de Jesus vem do fato que ela tem o poder de Deus: se faz seguir, liberta do mal e realiza aquilo que ela significa – faz aquilo que diz e diz aquilo que faz.
                Cada trecho do evangelho é um dom que Deus quer fazer a mim que leio, desde que eu peça. Por isto em cada leitura lhe “peço o que quero”, e desejo o que aquele texto pode dar. É muito importante que se exprima o desejo: o que não é desejado, não pode ser doado, porque não seria acolhido.
                Jesus é a palavra de Deus viva e eficaz, mais cortante do que uma espada de dois gumes (Hb 4,12s). Entra no coração, desnuda-o, julga-o, move-o à conversão, justifica-o e consola-o. As nossas reações diante da Palavra variam segundo a nossa disposição de fechamento ou de abertura: de um lado é inimiga, assusta, faz conhecer o pecado (cf. 1Rs 21,20; 2Rs 22,13; 2Sm 12,13), revela a desordem do coração, lhe desincha, lhe dispersa (Lc 2,35; 1,51) traspassa o coração e leva-o a perguntar-se: “O que fazer?” (At 2,37); por outro lado abre o coração ao acolhimento (At 16,14) e realiza “hoje” aquilo que diz (Lc 4,21), ilumina os olhos, dilata o coração (Sl 119,105.32; 18,29), se torna doçura e vida (Sl 119,50.93.103).

 “não como os mestres da Lei.”: os mestres da lei explicavam a Palavra como aprenderam na escola. Jesus, ao invés de explicar, profere uma palavra “nova” (v.27), onde até o mal também obedece.

v.23. “Estava então na sinagoga...”: a sinagoga é o lugar de reunião para o culto sabático. Com leitura da Palavra, a sua explicação e a oração comum.

“um homem possuído por um espírito mau: espírito mau (grego πνεύματι ἀκαθάρτῳ = pneumati akathartô que pode ser traduzido por espírito imundo. Imundo é aquilo que tem relação com a morte, exclui da comunidade e do culto. O espírito imundo se encontra assim onde não deveria estar, na sinagoga. Parece que não é notado e está tranqüilo até Jesus chegar.

“Ele gritou: é o grito impotente de raiva e de terror do inimigo que se encontra descoberto e perdido.

v.24.Que queres de nós, Jesus Nazareno?”: não há nada em comum entre a verdade e a mentira, entre a vida e a morte. Não podem coexistir. É interessante notar o “nós”. Fala em nome dos outros demônios ou também do próprio endemoninhado, querendo identificar-se com o seu cliente? Ou é este que fala, e usa o plural para indicar a divisão do próprio eu ou a própria conivência com o inimigo?
                Uma primeira impressão diante do evangelho é um senso de estranheza desconfortável e dolorosa: esta palavra não é para mim, antes de tudo é para nós – entendendo neste nós o mal com que somos solidários.


 “Vieste para nos destruir?”: a segunda impressão é pior: parece que “nos” destrói. Na realidade destrói somente o mal que está em nós. E nos defendemos, porque nos identificamos com ele. Perdendo isto parece que perdemos a nós mesmos, a nossa autenticidade. Na verdade perdemos só uma falsa identidade, uma horrível máscara que nos deturpa.

Eu sei quem tu és...”: já experimentou a força no deserto. O inimigo tem um conhecimento superior, que os homens não possuem.

“tu és o Santo de Deus: santo é o contrário de imundo. O mal rende o seu tributo ao bem: conhece-o como seu inimigo. Satanás busca sempre de revelar a identidade de Jesus e a sua glória – conhecida agora somente pelo Pai e por ele. Os demônios continuam a sua tentação, buscado em divulgar antes do tempo, para fazê-lo evitar a cruz, onde somente ali se revelará a todos.


v.25. “Jesus o intimou”: a palavra é usada constantemente nos exorcismos. Na tradução grega dos LXX a mesma palavra ἐπετίμαο = epetimáo é usada para indicar a repreensão de Javé. A palavra de Jesus tem a mesma autoridade.

   
 “Cala-te...”: O endemoninhado usa o plural; Jesus o singular. Faz calar o demônio no endemoninhado, para que nele possa falar o homem. O inimigo é vencido com o simples calar. A verdade de fato faz calar a mentira.
“e sai dele!”: o espírito do mal é um intruso no homem, que é filho de Deus. A sua palavra o faz sair.

v.26. “Então o espírito mau sacudiu o homem com violência,deu um grande grito e saiu”: o mal sai numa maneira dolorosa, mas sobretudo barulhenta. Não perde com prazer o seu cliente. Nem mesmo ao doente agrada de imediato a cura: foge da liberdade por medo da responsabilidade de gerir a própria vida. A libertação não é jamais um fato tranqüilo. Parece mais fácil permanecer na escravidão.

v.27. “E todos ficaram muito espantados e perguntavam uns aos outros: ‘O que é isto? Um ensinamento novo dado com autoridade: Ele manda até nos espíritos maus, e eles obedecem!’”:  retomemos o v.22 sobre a novidade e o poder desta palavra.

v.28. “E a fama de Jesus logo se espalhou por toda a parte, em toda a região da Galiléia”:  esta fama que se expande é antecipação do que virá depois: o evangelho difundirá em todo lugar o poder da mesma palavra, chegando até nós hoje.


Exercício espiritual

  1. a)      Entro em oração
    b)      Recolho-me imaginando o lugar: a sinagoga de Cafarnaum.
    c)       Peço a graça que desejo neste momento de oração: identificando-me com os ouvintes de Jesus e com o endemoninhado, peço de experimentar o poder da sua palavra no meu coração, para que me liberte do inimigo.
    d)      Colhendo os frutos, vejo, escuto e olho as pessoas: quem são, o que dizem, o que fazem. Confronto as reações do endemoninhado com as minhas diante da sua palavra.

Repassar na mente e no coração as palavras:
               O ensinamento com autoridade
               A admiração
               O espírito imundo
            “Vieste para nos destruir?”
               “Cala-te e sai dele!”

Outras passagens úteis: Is 55,10ss; Hb 4,12s; Mc 5,1-20; 9,14-27.



Silvano Fausti,
Ricorda e racconta Il vangelo:
La catechesi narrativa di Marco, Àncora.

 
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