1.Mensagem no contexto
“Eu quero: fica curado!” responde Jesus. Para isto veio: para limpar o homem da lepra.
O leproso, já em vida, é um morto civil e religioso, cortado da sociedade e do culto. Expulso para o deserto, sem relacionar-se com ninguém, é o homem jogado vivo no inferno da solidão. A única lei que deve observar é a de se auto excluir gritando a sua doença a quem inadvertidamente se aproximasse (Lv 13,45). A vida não deve se aproximar da morte; a sua presença contamina-a.
Curar um leproso é como ressuscitar um morto: somente Deus pode faz~e-lo (2Rs 5,7).
A lepra, com a desfiguração da carne, representa visivelmente o que alguém teme e sabe ser o seu futuro; é o espelho de cada vida, infectada pela morte.
A lei, que discerne entre o puro e o impuro, entre o bem e o mal, entre o justo e o pecador, não pode que justamente distinguir, separar e segregar. Na vã tentativa de defender a vida, não podefazer outra coisa do que constatar a morte.
Jesus, pelo contrário, é a “boa noticia” de alguém que toca o leproso curando-o, perdoa o mal sanando-o, absorve o pecador justificando-o (trecho seguinte). Os excluídos da lei – até mesmo os seus transgressores – são os destinatários deste dom. Na verdae é o médico, vindo para os doentes e não para os sadios (Mc 2,17).
Este milagre introduz uma seção de cinco disputas sobre a diferença entre a lei e o evangelho. No final será decretada a morte do próprio Jesus (Mc 2,1-3,6).
O leproso curado representa a passagem do homem velho, que a lei relega à morte, àquele novo, que anuncia a “boa noticia”. É figura do batizado que, como Naaman o Sirio, sai do Jordão com a carne limpa de uma criança (2Rs 5,14). O ex-leproso é de fato o primeiro apostolo, que o próprio Jesus envia ao templo, anúncio vivente do evangelho. O segundo apostolo será o ex-endoninhado, enviado aos pagãos (Mc 5,19).
Este leproso, com poucos outros (Mc 5,25-34; 7,26ss; 10,46-51), pede um milagre: sabe o que quer e pede o que deseja. Os outros não sabem o que querem, não podem ou mesmo não ousam pedir. O que Jesus faz por eles é um ensinamento para nós, que desse modo sabemos o que querer e o que pedir-lhe: exatamente o dom que faz a eles. Os seus prodígios servem para libertar as nossas aspirações mais profundas, deixadas adormecidas porque consideradas impossíveis. Ao invés vendo-as realizadas, temos a coragem de esperar e começamos a pedir, abrindo a mão para receber o que ele nos quer dar.
As breves palavras que Jesus acrescenta aos milagres são uma educação destes desejos: explicam o que ele quer dar-me além dos meus próprios desejos, que continuam sempre ambíguos desde quando são movidos mais pelos meus medos do que pelas suas promessas. Somente assim posso responder corretamente à sua pergunta: “Que queres que eu te faça?” (Mc 10,36.51), e pedir o que quero, querendo o que ele quer me dar. O desejo é a maior faculdade da pessoa: não produz nada, mas é capaz de tudo, mesmo do impossível – é capaz do próprio Deus.
No milagre não se diz o nome, o lugar e nem o tempo, de maneira que o nome seja o meu, o lugar seja aqui e o tempo seja agora. Quando escuto o evangelho – o próprio ex-leproso proclama-o como Jesus – se me converto e me confio a Jesus, para mim se realiza aqui e agora o que vem dito no evangelho.
Jesus expressa a sua vontade de “purificar” a nossa vida, libertando-a da lepra que a devasta. A lei declara o mal. Ele cura-o.
Discípulo é aquele que pede este dom. Todo dom pode ser dado somente a quem o deseja. Tudo o que Jesus disse e fez no seguimento do evangelho, é quando quer dar-me e quanto posso, ou melhor, devo desejar dele, com humildade e confiança, pedindo com insistência a ele.
2.Leitura do texto
v.40. “Um leproso chegou perto de Jesus”: Se alguém se aproximava o leproso devia avisá-lo do perigo que corria, de maneira que o evitasse, gritando: “Impuro! Impuro!” (Lv 13,45).
Pelo contrário o leproso vai até Jesus. Somente os excluídos, os que não tinham direito e os impossibilitados tem acesso imediato a ele! O meu direito de me aproximar de Jesus não vem do fato que sou justo e digno, belo e bom. Justamente porque injusto e impuro, feio e pecador, tenho o direito de ir diretamente a ele. Este é o “evangelho”, a boa notícia, que me salva: deus me ama porque me ama; a minha miséria não é obstáculo, mas medida da sua misericórdia. Ele não é a lei que me julga nem a consciência que me condena: é o pai que dá a vida, e me ama mais do que a si mesmo, sem condições, assim como sou. O meu mal, a minha não-amabilidade o impulsionam para mim com um amor que não conhece outra medida que aquela da minha necessidade.
Jesus significa: Deus salva. Somente e propriamente na minha perdição posso conhecê-lo.
“...de joelhos, pediu”: o pudor de invocar a salvação e de ficar de joelhos diante do Salvador, é como de quem não ousa dizer ao médico a sua enfermidade. É um falso pudor que provém do inimigo, uma desprovida auto-suficiência que mascara uma auto-insuficiência sem esperança.
A invocação com a voz é acompanhada com o gesto do corpo: se ajoelha. A invocação expressa a necessidade. A pessoa tem necessidade de tantas coisas, que lhe parecem impossíveis. Mas é sobretudo doente do impossível: a necessidade do próprio Deus. Por isto a invocação. Ela consegue o impossível. Cada passagem do evangelho me faz ver uma necessidade minha, e educa o meu desejo que se formula na invocação correspondente.
“Se queres, tens o poder de curar-me”: “Viestes para nos arruinar!” é a exclamação do mal, que se defende e busca se identificar com o homem. Pelo contrário esta é uma oração do homem que conhece o mal e quer ser curado. É a primeira oração dirigida a Jesus: expressa um desejo, única possibilidade para receber o dom. Onde ela falta, o próprio Jesus o provoca com a pergunta: “Queres ser curado?” (Jo 5,6).
O leproso não somente deseja, mas sabe que Jesus pode curá-lo. Numa semelhante pedido de cura da lepra, o rei de Israel responde: “Sou talvez Deus para dar a morte e a vida?” (2Rs 5,7). Desse modo Marcos prepara a pergunta de todo o evangelho que aparecerá no trecho seguinte: “quem é este que faz tais coisas?”
Este leproso sabe o que quer – a sua lepra é evidente- intui a possibilidade nova e pede (cf. o cego de Jericó: Mc 10,46ss); mas ainda não sabe se Jesus quer. O Senhor revelará de não querer outra coisa.
v.41. “cheio de compaixão”: a palavra indica um mover das entranhas. É a qualidade materna de Deus, que é amor pela pessoa humana. Deus se comove diante do nosso mal, porque é Deus e não homem (Os 11,9). “Acaso uma mulher esquece o seu neném, ou o amo ao filho de suas entranhas? Mesmo que alguma se esqueça, eu de ti jamais me esquecerei!”, diz o Senhor (Is 49,15).
Em outros códices se lê “irando-se”. A ira de Deus é a sua intervenção salvífica: é a ira contra o mal que mata seu filho.
“...estendeu a mão”: a mão é sinal de ação. A “mão estendida” é qualidade de Deus que realiza os prodígios do Êxodo (Ex 4,4;7,19;8,1;9,22;14,16;21,26s). Aqui o Senhor realiza mais do que um gesto criador: com o seu poder fez uma vida para a morte; agora com a sua compaixão muda a morte em vida. É o seu gesto salvador, que levará a termo quando estenderá os dois braços sobre a cruz.
“...tocou nele”: o contato com Jesus, salvação do homem, é a fé, que coloca em comunhão com ele (cf. Mc 5,25-34). Tocar supõe proximidade extrema e amor. É importante notar que somente os doentes tocam Jesus ou são tocados por ele. O nosso limite – o nosso mal é o nosso pecado – é o lugar onde entramos em contato com ele. Do altura da nossa justiça nunca tocaremos o Altíssimo. Somente no abismo da nossa miséria somos tocados pela sua infinita misericórdia.
“...e disse: ‘Eu quero’”: a vontade Jesus é a mesma de Deus,”que quer que todos os homens sejam salvos” (1Tm 2,4). Jesus manifesta-a para que deixemos de entrar em desespero, e desejemos o eu não ousamos esperar. O seu desejo é claro e deseja que também seja o nosso.
“ ‘..fica curado!’”: a cura da lepra não significa somente ser reintegrado na sociedade civil e religiosa; é também imagem da salvação da morte,cujo deteriorização da carne é uma antecipação. A nossa verdadeira lepra é o próprio medo da morte, que infecta toda a nossa vida e está na origem da “febre” do trecho precedente (da sogra de Pedro).
v.42.“No mesmo instante a lepra desapareceu e ele ficou curado”: o nosso desejo manifestado como invocação é sempre encontrado pelo seu toque, e pela sua palavra que nos liberta.
v.43. “Então Jesus o mandou logo embora falando com firmeza”: é estranho o gesto de enfurecer-se. Talvez o homem queria ficar com ele, como aquele de Gerasa e fazer propaganda indesejada dele. É uma forte expressão e corresponde ao “repreender” de Mc 3,12;8,30;10,48. Jesus quer segredo. O ex-leproso tem uma missão a realizar e o “mandou embora” (=lançou fora) por causa dela, como ele mesmo foi “lançado fora” pelo Espírito no deserto depois do batismo (Mc 1,12).
v.44. “Não contes nada disso a ninguém!”:Jesus se enfureceu com ele para sublinhar esta proibição. Como em quase todos os outros milagres, há o assim chamado “segredo messiânico” (cf. Mc 1,35), que habitualmente é transgredido. Mas aqui é transgredido por ordem daquele mesmo que proíbe de falar! A contradição manifesta está talvez aí para provocar o leitor. Esta injunção ao silêncio vale para este, que será autorizado a contar o que ouviu somente quando, como o ex-leproso, terá experimentado-o em primeira pessoa (cf. também o endemoninhado de Gersa Mc 5,19).
“Vai, mostra-te ao sacerdote e oferece, pela tua purificação, o que Moisés ordenou...”: o manda embora para cumprir esta missão junto aos guardiões da lei. A cura da lepra, segundo o Lv 13,49 deve ser constatada pelos sacerdotes.
“...como prova para eles!”: desta maneira o leproso testemunha que existe alguém que faz o que a para a lei é impossível: toca um leproso e o purifica. A lei pode somente descrever e segregar o mal. Quem será este que vence-a?
Este testemunho é a favor ou contra os sacerdotes? A favor se o acolhem, contra eles se não o acolhem.
v.45. “Ele foi e começou a contar e a divulgar muito o fato”: “Proclamar” e “difundir a palavra” são termos técnicos da missão. O ex-leproso, primeiro apóstolo enviado aos sacerdotes, é evangelização vivente: experimentou em primeira pessoa a misericórdia do Senhor para com ele, e o anuncia aos outros. O evangelho será sempre anunciado por quem não conta. Porque o evangelho é Jesus, a pedra descartada que se tornou a pedra angular ( Mc 12,10).
“Por isso Jesus não podia mais entrar publicamente numa cidade; ficava fora, em lugares desertos”: o que a lei prescreve para o leproso, agora atinge Jesus que o tocou: fica fora em lugares desertos. Tocando-nos, acumulou sobre si os nossos males, a nossa lepra se descarregou sobre ele (cf. Is 53,3-5).
“E de toda parte vinham procurá-lo”: quando anoitece e termina o dia do homem, a ação de Deus se dilata desmedidamente 9cf. Mc 1,32-34). Assim acontece agora, enquanto Jesus se retira, todos acorrem a ele (cf. Mc 3,7ss). É a antecipação de quando, elevado, atrairá todos a si. E quem o verá será salvo (Jo12,32;3,14s). Ele é o centro, onde todos acorrem, como o leproso, que reconheceu a própria necessidade e quem poderia satisfazê-la.
3. Exercício espiritual
a)Entro em oração, como de costume.
b)Me recolho, observando o lugar, no deserto, onde Jesus encontra o leproso.
c)Peço o que desejo: “Se queres, pode purificar-me”.
e)Colhendo os frutos, identifico-me com o leproso e observo cada palavra:
“pediu”
“de joelhos”
“Se queres, tens o poder de curar-me”
“tocou nele”
“Eu quero: fica curado!”
“Vai...”
4. Passagens úteis
Lv 13,1-2.44-46
2Rs 5,1ss
Is 53,3-5
Is 1,16-19
Fonte:
Silvano Fausti, Ricorda e racconta il vangelo, Àncora (Trad. Livre)