O ESPÍRITO LEVOU JESUS PARA O DESERTO




(Mc 1,12-13)


Naquele tempo, 12o Espírito levou Jesus para o deserto. 13E ele ficou no deserto durante quarenta dias, e aí foi tentado por Satanás. Vivia entre animais selvagens, e os anjos o serviam.

1.Mensagem no contexto

O Espírito levou Jesus para o deserto”, diz Marcos de Jesus. O seu batismo, como a passagem do mar Vermelho, marca o fim da escravidão. Falta ainda atravessar o deserto, insidiado pelo inimigo que quer nos perder, colocando-nos obstáculos ou fazendo-nos voltar atrás. Realizada a escolha, se paga o seu preço para mantê-la até o fim.
                Adão não tinha escutado a palavra de Deus e foi expulso do Éden no deserto. O Espírito agora lança o novo Adão, o Filho que escuta a Palavra. Ali encontra todos os seus irmãos, e os reconduz ao paraíso perdido.
                O batismo de Jesus nos apresenta um Deus solidário com o nosso mal e a nossa morte; as suas tentações nos fazem ver um Deus solidário com o nosso esforço de viver em liberdade. O Cristo, que emerge gotejante da água com o Espírito no intimo, lembra Moisés, o pastor que guia o rebanho de deus no êxodo à terra prometida, quando todos foram tentados e caíram; percorre vitorioso a história de cada pessoa, que caiu faz tempo e por isto não alcança a pátria do seu desejo.
                Antes da atividade apostólica, Jesus foi tentado de realizar o reino do pai num modo mais eficaz e cômodo, sem ficar fiel à escolha realizada no batismo. Nos outros evangelhos sinóticos as tentações se inserem na “fome” (Mt 4,2; Lc 4,2), ou seja na necessidade que o homem tem ou está relacionado às coisas, às pessoas ou a Deus. È constante o perigo de satisfazer esta fome com a posse mais do que com a dar- único alimento que sacia – e de não discernir as prioridades e as alternativas falsas daquelas verdadeiras. Além disso Mateus e Lucas dizem expressamente que ele é tentado, enquanto Filho de Deus, de usar aqueles instrumentos que o nosso bom senso considera óbvios: o ter, o poder e o prestígio religioso. Mas isto significaria volta atrás na solidariedade com os irmãos – única escolha do Filho aprovada pelo Pai. Quanto é atraente ser filho de um Deus  dominador e onipotente, da mesma forma é incomodo ser filho de um Deus “servo”, que é amor, pobreza, serviço e humildade.
                Jesus, como cada um de nós de Adão em depois, foi tentado “para um bem”. Existem oportunidades, que na realidade são falsas, existem atalhos, que depois nos levam a caminhos errados. Não é talvez para o bem que se faz todo o mal no mundo? Não precisa agir “para o bem”, mas sim agir bem. Porque o bem é somente bem quando está no principio, no meio e no fim. Nunca foi verdade que o fim justifica os meios! Os meios são sempre da natureza dos fins.
                O trecho, como no precedente, se articula em duas partes: a primeira nos apresenta Jesus que, vitorioso sobre a tentação, é o Cristo, o homem novo, reconciliado com a natureza e em condição paradisíaca; a segunda apresenta-o como filho de deus, servido pelos anjos.
                Em Jesus tentado toda a humanidade foi tentada. Nele vitorioso, toda a humanidade já venceu o mal. É o novo Adão.
                O discípulo é aquele que, unido a ele pelo batismo, vive a mesma escolha e a mesma dificuldade em mantê-la. Tem o seu mesmo espírito de solidariedade com os irmãos, e permanece fiel não obstante os enganos do inimigo. Muitas vezes tem dificuldade em reconhecê-los, e quando os reconhece, se abate. Precisa ter presente que o inimigo dá muita boa vontade para quem falta inteligência; há quem tem inteligência, busca de tirar a boa vontade, desencorajando-o. Ao invés o Senhor dá discernimento a qeum tem zelo, para que não faça o mal crendo fazer o bem. Sabemos, porém, que me toda tentação não estamos sós e abandonados. Somos “con-solados” pela presença dele, que para isto quis ser tentado conosco e como nós: “O sumo sacerdote que temos não é insensível á nossa fraqueza. Já que foi provado como nós em tudo, exceto no pecado” (Hb 4,15).

2. Leitura do texto

v.12. “O Espírito...”: é o Espírito do Filho, que se manifestou visivelmente na escolha de solidariedade com os irmãos.

“levou Jesus para o deserto”: também nós, recebido o batismo, pelo seu Espírito somos impulsionados para fora do Egito e conduzidos ao deserto, rumo à plena liberdade dos filhos.
                O deserto é o lugar da liberdade e da tentação, da fidelidade de Deus e da nossa dúvida, do amor e da discórdia, do caminho e da queda. É o montante da existência humana, é rico de todos os dons de Deus e de todas as nossas infidelidades. Cansados de viver com o nosso mal – mas também da alegria da nuvem que protege, do fogo que guia do maná que nutre, da água que mata a sede, da Palavra que ilumina e dá vida – o deserto é o crisol pelo qual Deus forma o homem. Na solidão absoluta, sem distrações, é obrigado a escolher entre a morte e a vida, entre a desconfiança e a confiança, entre a própria sombra e a sua promessa.

v.13. “E ele ficou no deserto durante quarenta dias...”: os quarenta dias recordam a revelação de Moisés e o caminho de Elias 9Ex 34,28; 1Rs 19,1-8). Também Israel esteve no deserto por quarenta anos, o arco de uma geração, o tempo de uma vida. Isto significa que toda a existência de Jesus foi deserto e prova, tentação e luta, do princípio ao fim. Também nós, por força do batismo, passamos da submissão ao mal à luta contra ele, que dura por toda a vida. Somente quem não escolhe o bem, não é tentado pelo mal!.

“e aí foi tentado...”: a palavra grega peîra, do qual peirázo (tentar), significa tentativa e prova, portanto experimento e cimento também experiência e conhecimento. Deriva de peíro, que significa atravessar de um lado para outro, com uma ponta, e tem a mesma raiz de experimentar, esperto, perigo, perito. A vida humana é necessariamente tentação e solicitação em todos estes sentidos, com a sua ambigüidade a ser resolvida precisamente na liberdade de quem pode compreender e querer a verdade para quem caminha.

“ por Satanás”: é o inimigo do homem. Pela sua inveja entrou a morte no mundo (Sb 2,24). A sua maneira de agir é descrita em Gn 3: faz notar ao homem o seu limite, lhe tira a confiança em Deus, sugerindo-lhe que é seu adversário, e fazendo-lhe parecer bem o mal e o mal bem. Em Marcos é o que rouba a Palavra (Mc 4,15). Com a sua mentira está na origem de todo mal, porque o homem se torna a palavra que escuta. Se escuta a Deus, se torna como ele, pai da verdade e amante da vida (Sb 11,26); se escuta a satanás, se torna como ele, pai da mentira e homicida desde o princípio (Jo 8,44).
                Marcos, diferentemente de Mateus e Lucas, não especifica as tentações. Deixa que elas possam emergir da narrativa, como perigo constante de antecipar a glória do Filho evitando a cruz do servo. Por isto Jesus impõe o silêncio aos que receberam um milagre e aos demônios. È o assim chamado “segredo messiânico”, que subjaz em todo o evangelho. Esta tentação geral se articula em tentações particulares, típicas de cada pessoa humana.
                A primeira é o “protagonismo”, que confunde o reino de Deus com o sucesso do próprio eu. Aflora claramente depois da primeira jornada messiânica, o que lhe dizem: “Todos te procuram” (Mc 1,35). Por o próprio eu como fim absoluto, no lugar do próprio Deus, causa de todos os males. Jesus responderá: “Vamos para mais adiante”.
                A segunda é a busca do “poder mundano” para realizar o reino de Deus. O fim é justo, mas o meio é errado. O reino se realiza não com o poder, mas com a impotência de quem dá a própria vida em serviço dos irmãos. Esta tentação aparece logo depois da multiplicação dos pães, quando obriga os discípulos a irem embora (Mc 6,45). Sabemos por João que queriam fazê-lo rei (Jo 6,15).
                A terceira tentação  é a busca do “poder religioso”. Consiste em querer dobrar Deus à própria vontade da pessoa, ao invés de dobrar-se à sua. Jesus sofre esta tentação no horto das oliveiras (Mc 14,32ss). É a luta definitiva. Cair é a perversão da fé:  ao invés de obedecermos a Deus, pretendemos que ele nos obedeça. Crer de ter Deus no bolso é a coisa mais fácil para nós, e para ele a mais insuportável!
                Todas estas tentações são personificadas por Pedro, quando rejeita a palavra da cruz (Mc 8,31ss). Jesus o chama satanás, porque pensa segundo os homens, onde o modo de ver é oposto àquele de Deus.
                A maior tentação de quem tem por finalidade o bem e usa os meios adequados é o do desânimo, constatando que o mal se sai bem e com facilidade enquanto o bem se sai mal, com dificuldade – e no final é derrotado. É o escândalo da cruz – a ineficácia e o fracasso do bem. Dizia Marcos o Asceta; “Como as noites seguem os dias, assim os males seguem as boas ações”. Parece que nenhuma boa ação fique impune! O caminho iniciado no batismo não somente é a mais dura, mas parece também perdedora. Perdedora em nós antes que fora de nós!
                Mas não há o que se preocupar. Ser tentado é um bom sinal. Significa que se está lutando. Somente quem está por terra, não cai mais. Quem está de pé sempre corre o risco de cair (1Cor 10,12).
                Sustentar estas provas é “a” prova que somos filhos de deus. Ele nos trata como tais, purificando-nos. De outro modo seriamos bastardos (Hb 12,8). Por isto, não obstante o sofrimento, estamos cheios de alegria e de júbilo indizível (Tg 1,2s; 1Pd 1,6ss).
                Além disso é de se notar que Deus é fiel e não permitirá que sejamos tentados além das nossas forças; com a tentação nos mostrará também o caminho de saída e a força para suportá-la (1Cor 10,13).

“ Vivia entre animais selvagens...”: Jesus, fiel à palavra do Pai, é o novo Adão, que vive aquela harmonia com a criação que havia no início, antes da desobediência. Nele se realiza o desejo de uma era de ouro, em que “o lobo será hóspede do cordeiro, o leopardo vai se deitar ao lado do cabrito, o bezerro e o leãozinho pastarão juntos, uma criança pequena toca os dois” (Is 11,6ss).

“e os anjos o serviam”: a corte celeste, que está ao serviço de Deus, agora está ao serviço de Jesus (cf. Mc 13,27). A presença dos anjos revela a sua identidade: ele é o Filho de Deus, justamente enquanto mantém a sua escolha de servo. O céu é aberto definitivamente sobre a terra e se realiza o sonho de Jacó. Ele mesmo é a escada que liga estavelmente Deus e o homem (Gn 28,12).
                Como ele, todo batizado que se encontra no deserto não está mais só: experimenta a ajuda do Senhor no serviço dos seus anjos (Sb 91,11s). “Servir” no Novo testamento é a expressão concreta do amor. Quem serve e ama a Deus e aos irmãos é amado e servido pelos anjos, ou melhor, pelo próprio Deus, que é amor e serviço.

3.Exercício

1.Entro em oração
2.Recolho-me, observando o lugar: o deserto de Judá, onde Jesus foi levado pelo Espírito e ser tentado por satanás.
3.Peço a graça para este momento de oração: peço ao Senhor a compreensão do valor das tentações como purificação, e peço também a inteligência para reconhecê-las e a vontade para superá-las.
4.Colhendo os frutos deste momento de oração, medito cada palavra do texto.
Ressaltando as seguintes: deserto – Espírito – tentação – quarenta dias – animais   selvagens  – os anjos


4. Passagens úteis

 Gn 3,1ss; Dt 8,1ss; Sl 91; 1Cor 10,1-13; hb 2,17s; 12,1-12



Silvano Fausti,Ricorda e racconta Il vangelo: La catechesi narrativa di Marco, Àncora.

 
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